terça-feira, 24 de novembro de 2009

Estudos do NT, Epístolas Pastorais

Introdução:

Desde o início do século XVIII, I e II Timóteo, bem como a Epístola a Tito têm sido designadas Epístolas Pastorais. Embora não seja completamente adequada, essa designação indica a natureza prática do assunto explorado nessas epístolas.
A autoria paulina das epístolas pastorais tem sido largamente negada pela erudição moderna, baseada principalmente sobre os fenômenos lingüísticos e sobre a crítica textual dessas epístolas. Entretanto, os argumentos contrários à posição tradicional da autoria de Paulo não são conclusivos. I Timóteo foi escrita na Macedônia (provavelmente em Filipos), cerca de 64 d.C., durante o intervalo entre o primeiro e o segundo aprisionamento de Paulo em Roma.
Com relação ao contexto histórico, geográfico e cultural faz-se necessário dizer que, Éfeso era a capital e o principal centro de negócios da Ásia (parte da atual Turquia). Era um centro de transporte marítimo e terrestre, tão importante quanto a Antioquia, na Síria, e Alexandria, no Egito. Éfeso era uma das maiores cidades no litoral do mar Mediterrâneo, uma cidade com suas peculiaridades. Progressista, rica e idólatra. Os valores morais não eram os melhores. Praticavam-se ali torpezas e cultos a diversas divindades, sendo o principal o culto à deusa da fertilidade, a Diana dos efésios. A cidade ocupava um lugar estratégico para o comércio que, dentre outras coisas, girava em torno da manipulação do ouro.
Apesar de toda a riqueza material, em sua terceira viagem missionária, Paulo encontrou ali um povo não só atolado na decadência moral, como também na cegueira e pobreza espiritual. O nível cultural que se revelava naquela cidade era excelente, destacando-se ali os estóicos e os epicureus (filósofos que contendiam com Paulo em Atenas, At 17.18). Os epicureus ensinavam que o prazer é o sumo bem dos homens. Os estóicos, ao contrário, ensinavam que o prazer nunca deve ser o motivo de nossos atos. Zenão de Cítio, o fundador dessa seita, aconselhava os seus discípulos a dominarem os seus sentimentos, para resistirem o mais possível todas as influências externas. O estoicismo alcançava um grau de insensibilidade que se assemelhava muitas vezes à dureza.
As epistolas pastorais tinham como propósito, proporcionar encorajamento e instrução a Timóteo, um jovem líder. Não foi Paulo o fundador da igreja em Éfeso. Certamente fora um dos discípulos de João, talvez o próprio Apolo, pregador eloqüente da época.
O que se destaca nesta igreja é que não basta a uma igreja ser cristã, unida e cultivar vários outros valores importantes na vida do povo de Deus. Ela deve ser cheia do Espírito Santo. Não basta apenas ter a herdade da eloqüência, precisa ser avivada pelo poder de Deus. Ao chegar ali, Paulo estranhou ao ver uma igreja tão pequena, apenas com alguns poucos discípulos (At 19.1)
Problema histórico
O problema histórico e teológico das epístolas Pastorais está inextricavelmente com a questão da autoria ou não das epístolas de Paulo.
No Cânon de Marcião estas epístolas faltam, mas, não obstante a afirmação a afirmação de Tertuliano, a opinião segundo a qual Marcião teria conhecido, mas rejeitado estas epístolas, é tão pouco provável como a opinião segundo a qual as epístolas não poderiam ter existido no tempo da formação da cânon de Marcião. A partir do final do século II em diante, as Pastorais foram consideradas, sem controvérsia, como epístolas de Paulo.
 As semelhanças lingüísticas entre as Pastorais e Inácio e Policarpo nada mais provam de que ambos pertenceram à mesma tradição eclesiástica e cultural, e não dependência dessas cartas.
A origem paulina das Pastorais não foi contestada desde o tempo de seu reconhecimento como escritos canônicos, por volta do final do século II, até o começo do século XIX. Mas depois que Schmidt (1804) expressou dúvida a composição a respeito de 1Tm, Schleiermacher (1807), pôs em dúvida a composição paulina de 1Tm, com base na linguagem e em informação biográfica. Vários anos depois Eichhorn (1812),com referência à linguagem religiosa divergente,estendeu este juízo às três Pastorais. Baur (1835), fechou o círculo mediante prova de que a polêmica em torno das Pastorais estava relacionada com o gnosticismo do século II. Numerosos estudiosos admitem ao mesmo tempo a inserção de fragmentos paulinos genuínos.
As objeções contra a composição Pastorais se baseiam principalmente em:
1) A linguagem e o estilo; o grande numero de palavras não encontradas em Paulo, e mediante a relação entre a linguagem delas e a do século II, diverge claramente das epístolas paulinas. A estatística relativa à razão de proposições condicionais gregas e semíticas nos escritos do Novo Testamento indica que as Pastorais exibem de Dez a vinte vezes mais “grecismo” do que as epistolas paulinas. A conclusão é que a linguagem e o estilo das Pastorais não permitem a possibilidade de Paulo as ter escrito. Supondo-se a composição das epístolas do cativeiro em Éfeso e as Pastorais houve um intervalo de cinco ou sete anos, que teria permitido uma mudança no estilo de Paulo ou responsabilizando por essa mudança o latim sobre Paulo, que estava prisioneiro pela segunda vez em Roma, ou ainda, que são o resultado da idade avançada do escritor. Mesmo que essas influências tivessem mudado o vocabulário, ainda assim seria completamente incompreensível.
2) A situação histórica pressuposta. As situações pressuposta nas Pastorais devem, por isso mesmo, na medida em que são históricas, pertencer ao tempo posterior ao cativeiro de Paulo em Roma (At 28). O final de Atos, portanto, deixa aberta a possibilidade de que Paulo tenha sido libertado ou executado depois dos seus dois anos de encarceramento romano, mas exclui uma nova viagem ao Leste.
Para Oscar Cullmann, é difício determinar a situação histórica. Segundo a primeira Carta a Timóteo, Paulo foi a Éfeso, depois Macedônia (1,3). Conforme a segunda Carta a Timóteo, ele está preso no cárcere (1,8 e 1,16) em Roma. Segundo Atos 28.30-31, Paulo estava detido, mas não encarcerado. Porém de acordo com a Segunda Carta a Timóteo, ele está algemado como criminoso (2,9)
Quanto à Carta a Tito, ela contem apenas poucas alusões a uma situação histórica e, de qualquer maneira, esta não parece ser a mesma que nas duas Cartas a Timóteo. O único ponto em comum é a menção de heréticos judaico-cristão, que também são simpatizantes do gnosticismo(Tt1,10-16; 3.9-11).
Segundo Cullmann é difícil harmonizar os dados biográficos sobre Timóteo e Tito com as informações das epístolas e, sobretudo, integrar as circunstâncias pressupostas por essas epístolas na cronologia da vida de Paulo. Só há duas possibilidades: ou as epístolas pastorais são inautênticas, e então o autor forjou o plano cronológico delas ao mesmo tempo em que o conteúdo doutrinal, ou elas são autênticas, e então deve ser possível inseri-las num período da vida de Paulo. Se agente aceita essa segunda possibilidade, a escolha é restrita, e é preciso colocar as cartas em um período posterior aos dois anos de cativeiro de Paulo em Roma (At 28.30-31). Visto que o cativeiro mencionado pela Segunda Carta a Timóteo parece muito mais duro do que aquele de At 28, poderíamos imaginar que Paulo, libertado após um primeiro processo, teria retomado sua atividade missionária.
Somente uma cronologia relativa das três epístolas entre si é possível, mas nem isso leva muito longe. A segunda Carta a Timóteo parece ser a última (cf. 4.7: “completei a carreira”), a Carta a Tito de ser a primeira por causa dos planos de futuro que contém. Teríamos, pois, a seguinte ordem: Carta a Tito, primeira Carta a Timóteo, segunda Carta a Timóteo.
3) Oposição contra os falsos doutores. A polêmica com base nas afirmações de que Paulo considera a tagarelice dos falsos doutores como indigna de refutação e presume que tanto Timóteo como Tito sabem por si mesmo o que devem opor aos falsos doutores, pois nesse caso não haveria necessidade de chamar a atenção dos destinatários para o perigo da heresia nos seus pormenores. Essa ausência é muito mais difícil de explicar pelo fato de não ser Paulo a escrever esta carta.
4) Situação da comunidade. Nas instruções dadas a Timóteo e a Tito para consolidação das igrejas, os dirigentes aparecem em primeiro plano: presbíteros, bispos como líder da comunidade, os diáconos e as viúvas. A direção da comunidade é institucionalizada e restringida. Só homens podem estar à frente da comunidade, pois as mulheres não devem ensinar (1Tm 2,12), e o bispo deve ser capaz de ensinar (3,2). Em Paulo todos cristãos ainda era possuidor de um carisma, mas nas pastorais é só o bispo que que o tem (2Tm 1.6). Baseado nisto, as Pastorais são os documentos de um direito canônico já altamente desenvolvido numa igreja que já se estabeleceu no mundo, uma igreja tal qual Paulo nunca conheceu.
Segundo Gerd Theissen, uma das preocupações importantes das pastorais é sem duvida alguma manter as mulheres longe da direção da comunidade. Sem as cartas pastorais o Novo Testamento seria muito mais favorável à mulher.
5) Teologia das Pastorais. As pastorais contêm uma série de afirmações que estão na linha do pensamento central de Paulo: a salvação dos pecadores por meio de Cristo (1Tm 1,15), a revelação da graça de Deus, através do aparecimento de Cristo (2Tm 1,9), a justificação não pelas obras (Tt 3,5), a fé como o caminho para a vida eterna (1Tm 1,16). Por outro lado, encontramos termos helenistas para descrever o evento da salvação que seriam totalmente estranhos a Paulo. Por exemplo: sotérios ( Tt 2,10) (Tt 3,4), Cristo (2 Tm 1,10; Tt 3,6), epipháneia e sotér para o aparecimento terreno de Cristo. Não obstante essa terminologia de glória, em muitas de suas expressões a cristologia das Pastorais, suprime a cristologia paulina da preexistência. Assim torna-se evidente nas Pastorais uma posição cristológica completamente diferente da de Paulo.
OBJETIVO, TEMPO E LUGAR DE COMPOSIÇÃO

Como entidades, as Pastorais não são homogêneas. Por um lado, em primeira Carta a Timóteo e a Carta a Tito as diretrizes para organizações das igrejas, instruções sobre como lidar com as diversas classes de pessoas, e oposição aos falsos doutores, formam o conteúdo real de tal modo que, em sua essência, estas duas epístolas tratam a respeito da disciplina eclesiástica. Por outro lado, segunda Carta Timóteo, consiste em uma advertência de Paulo, o qual já caminha para a morte, ao seu discípulo, exortando-o a ficar de firme e a lutar contra a heresia, isto é, a epístola tem a forma de um testamento literário.
Se a Carta a Tito teve autoria de Paulo, cerca, de 65 d.C. Se pseudônima ( 80% a 90% da exegese crítica), por volta do fim do século I, ou ( menos provavelmente) no começo do século II. Dá parte de um Paulo que, aparentemente, partira de lá havia pouco tempo e encontrava-se na costa da Ásia Menor (Éfeso?) ou na Grécia ocidental (Macedônia?), a caminho de Nicópolis. Autenticidade: escrita provavelmente por um discípulo de Paulo ou por um comentador simpatizante da herança paulina, diversas décadas depois da morte do apóstolo.
Se a primeira Carta a Timóteo teve autoria de Paulo, por volta de 65 d.C. Se pseudônima (80% a 90% da exegese crítica), por volta do fim do século I, ou (menos provavelmente) no começo do século II. Dá parte de um Paulo que, supostamente, havia partido dali e ora se achava na Macedônia. Autenticidade: escrita provavelmente por um discípulo de Paulo ou por um comentador simpatizante da herança paulina, diversas décadas depois da morte do apóstolo.
Se segunda Carta Timóteo, escrita antes ou depois das outras pastorais. Se de autoria de Paulo, talvez com a ajuda de um secretário, por volta de 64 ou pouco depois (se escrita antes), ou 66-67 (se escrita depois). Se pseudônima (80% a 90% da exegese crítica), no final dos anos 60, pouco depois da morte de Paulo (se escrita antes) ou décadas depois, mais provavelmente por volta do fim do século I (se depois). De um Paulo supostamente prisioneiro e moribundo em Roma. Autenticidade: provavelmente escrita por um discípulo de Paulo ou por um comentador simpatizante da herança paulina (seja logo depois de Paulo, com memórias históricas, sejam décadas mais tarde, com amplo conteúdo biográfico fictício). Contudo, tem maior probabilidade de ser autenticamente paulina do que as demais pastorais.
A autenticidade paulina dessas cartas, ao menos sob a forma em que elas chegaram a nós, é muito incerta. A situação histórica na qual elas foram redigidas é muito difícil de determinar.
Do outro lado, é praticamente certo, e poucos têm duvidado que Policarpo de Esmirna as conhecia e que as citou na sua bem conhecida carta aos filipenses (no mais tardar, c. de 135). Desde os meados do século II, sua posição está assegurada, e são citadas como inquestionavelmente paulinas por Irineu, Tertuliano, o Cânon Muratoriano, e Clemente de Alexandria. É verdade que o herege Márciom (c. de 140), não as incluiu no seu cânon mutilado do Novo Testamento, mas a razão mais provável é que ele não tenha gostado do estilo anti-herético delas e da estima que dedicam ao Antigo Testamento, e não que elas ainda não pertenciam à coletânea paulina. O Evangelho da Verdade, plausivelmente atribuído a Valentino (c. 150), não faz referência alguma a elas tampouco, embora cite de todos os demais livros do novo Testamento. Mas uma vez, isto não é surpreendente; os gnósticos geralmente, segundo Clemente e Jerônimo, as repudiavam, e seu teor anti-gnóstico fornece uma explicação suficiente.
Se as Pastorais, com base em os numerosos fatos já discutidos, não podem ser epistolas paulinas, então são escritos pseudônimos.
Segundo kümmel, “o problema histórico e teológico das epistolas Pastorais está inextricavelmente entrelaçado com a questão da autoria ou não das epistolas de Paulo”.
O testemunho de fora da igreja dos primórdios sobre a autoria das epistolas Pastorais não são favoráveis a Paulo. A partir do século II, as Pastorais foram consideradas, sem controvérsia, como epistola de Paulo.
A origem paulina das pastorais não foi contestada desde o tempo do seu reconhecimento como escritos canônicos, por volta do final do séc. II, até o começo do séc. XIX.
Numerosos estudiosos discutiam a autoria paulina das cartas, mais ou menos abertamente, mas admitem ao mesmo tempo a inserção de fragmentos Paulino genuínos. Do mesmo modo a convicção de que as pastorais direta ou indiretamente, remontam a Paulo, ainda conta com numerosos defensores.
As objeções contra a composição paulina das pastorais se baseiam principalmente na linguagem e o estilo, a situação histórico presumível, a oposição aos falsos doutores, o relacionamento no seio da comunidade e a teologia pastoral.
As pastorais divergem de todas as outras epistolas paulinas. As tentativas para determinar a identificação do amanuense comissionado por Paulo falharam todas, nada aponta diretamente quem poderia ser.
Nessas Pastorais encontra-se uma serie de afirmações que estão na linha do pensamento central de Paulo, por outro lado contém nelas termos helenistas para descrever os eventos da salvação que seriam totalmente estranhos a Paulo.
Os estudiosos desde o século XIX têm defendido a tese, que varia muito de autor para autor, de que as pastorais contêm uma série de fragmentos das epístolas paulinas autênticas que o autor das Pastorais teria inserido nas suas comunicações. Mas de todo o jeito deve-se levar em conta que essa teoria, se tem alguma probabilidade, que o autor escrevesse em nome de Paulo.
A questão de se as pastorais representam um desenvolvimento relevante e necessário da pregação paulina, de sua completa ou parcial falsificação, não pode ser resolvida mediante um juízo literário a respeito do seu autor, mas somente através de um juízo critico e teológicos destas mesmas epístolas.

Referências Bibliograficas

KUMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. Edições Paulinas - São Paulo, 1982
BROWN, Raymond. Introdução ao Novo Testamento. Edições Paulina – São Paulo, 2009
HALE, Broadus David. Introdução ao estudo do Novo testamento. Junta de Educação Religiosa e Publicações – Rio de Janeiro, 1983
KELLY, John Norman Davidson. Epístolas Pastorais, Introdução e comentário. Ed. Mundo Cristão. São Paulo.

CULMANN, Oscar. A formação do Novo Testamento; tradução de Bertoldo Weber. - 7 ed. Ver. – São Leopoldo. Sinodal, 2001.